sexta-feira, 30 de julho de 2010

AS "GOLDEN SHARES"


DIOGO FREITAS DO AMARAL

..."nos países anglo-saxónicos nunca houve destinção clara entre o interesse público e os interesses privados nem, consequentemente, entre Direito público e Direito privado. Esta distinção (que já vem do antigo Direito Romano) é considerada fundamental na Europa continental: aqui, o interesse público sempre teve, e tem, primazia sobre os interesses privados, nomeadamente os económicos e lucrativos. Por isso a nossa Constituição determina (e bem) que o poder económico está sempre subordinado ao poder político; e, quando tenta não estar, deve ser colocado no seu devido lugar.
É assim inexplicável que, numa óptica anglo-saxónica, a Comissão Europeia e o Tribunal de Luxemburgo queiram acabar com as golden shares, fazendo de conta que não percebem que estas constituem um "veto jurídico" necessário aos países sem força económica bastante para usar e abusar do "veto político". Dois pesos duas medidas!
...exporei em resumo o que penso deste assunto:
1º - O Estado não pode, sem se autodissolver, deixar de defender e salvaguardar sempre o que julga ser o interesse nacional;
2º - O projecto europeu fez-se, além do mais, para aumentar a concorrência entre empresas - e não para reduzir essa competição incentivando as grandes a engolirem as pequenas. É paradoxal ver os capitalistas liberais contribuírem para dar razão a Marx, na sua "lei de concentração capitalista";
3º - A PT, a EDP, a GALP (e a TAP!) estão entre os nossos "campeões nacionais". Se formos para o neoliberalismo apátrida, não faltam congéneres suas que as podem adquirir como quem compra um maço de cigarros ou uma caixa de fósforos. Mas Portugal não pode ficar sem elas, pois são para nós empresas estratégicas...;
4º - O investimento estrangeiro é bem-vindo a Portugal para fazer cá o que nós não conseguimos ainda realizar. Deve ser, contudo, desencorajado se vier apenas para comprar o bife e a deixar-nos os ossos;
5º - Se a União Europeia acabar por nos tirar - sem fundamento explícito nos tratados - as golden shares, a Assembleia da República não deve hesitar em estabelecer, por lei, os direitos de veto do Governo nas empresas consideradas estratégicas. E se essa e outras medidas semelhantes também forem consideradas "ilegais" à luz do Direito Comunitário (!), então haverá que caminhar sem receios para a nacionalização de 50.01% do capital das empresas que não estamos dispostos a perder. O Estado português não pode ceder. Tem que traçar um risco no chão (to draw the line), dizendo em voz alta e sem complexos: daí para cá não passam.
(Excerto de um texto de DIOGO FREITAS DO AMARAL, publicado na Revista Visão de 22 de Julho de 2010).

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