segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A SUBLEVAÇÃO POPULAR DE MARIA DA FONTE (continuação de um texto publicado em 25-01-2012)

A Junta Governativa do Porto
A Junta tinha como presidente o Francisco Xavier da Silva Pereira, o 1.º conde das Antas, e como vice-presidente José da Silva Passos, que, para além de ser a alma da revolta, era irmão do político e ex-ministro progressista Manuel da Silva Passos, o famoso Passos Manuel.
Logo que conhecida a revolta do Porto, o visconde de Sá da Bandeira Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo apareceu naquela cidade, aderindo à revolução e dando-lhe um indesmentível relevo nacional.
A Junta do Porto, embora legislando em nome da rainha e jurando-lhe obediência e respeito, na realidade mantinha uma política contrária à opinião da soberana, tudo fazendo para reverter o golpe de 6 de Outubro.
Numa ousadia sem precedentes, O Espectro, um jornal que se publicava em Lisboa, sem que a polícia conseguisse descobrir a imprensa que o imprimia nem os seus redactores, mas que era redigido por António Rodrigues Sampaio, um político próximo dos revoltosos, atacava pessoalmente a rainha pela sua intervenção na politica partidária. Naquele jornal, sem rebuços e em linguagem insultuosa, denegria-se a figura de D. Maria II e sugeria-se a sua abdicação, em prol da república ou, ao menos, em prol de uma qualquer regência em nome de D. Pedro V, na altura com apenas nove anos de idade.
Neste contexto, e perante o risco que corria o trono, a única solução parecia ser a via militar. Estava aberto caminho para mais uma guerra civil, pouco mais de uma década após a celebração da Convenção de Évora-Monte.
Ambos os lados iniciam o levantamento de exércitos e é novamente tempo de contar espingardas.

A Patuleia (Outubro de 1846 a Junho de 1847)

Tropas aplicam vergastadas a um popular durante a Patuleia.
Agora, com o envolvimento dos militares e a participação de todo o espectro político, aquilo que tinha começado como um movimento de contestação popular desembocava numa guerra civil generalizada. Para designar as forças insurrectas, recuperou-se o epíteto patuleia, antes pejorativamente aplicado aos liberais radicais, vocábulo que depois a História adoptaria para designar o confronto de 1846-1847: a Patuleia ou a Guerra da Patuleia.

A origem do termo patuleia parece ser a expressão patola, utilizada coloquialmente para designar alguém que não prima pela inteligência. Desse bem pouco lisonjeiro princípio, patuleia passou a ser utilizado para designar o povo e as agremiações populares e, em especial, o partido setembrista. Quando rebentou a guerra, o termo passou a ser utilizado para designar os aderentes do movimento popular setembrista e as forças que integravam. Com a evolução dos acontecimentos, foram designados por patuleias os adversários setembristas de Costa Cabral e todos aqueles que os apoiaram, passando, nesta acepção, a designar todos os apoiantes da Junta do Porto.

Em 10 de Outubro começa a sublevação patuleia no Porto. O duque da Terceira, que tinha sido enviado à cidade como lugar-tenente da rainha, foi logo preso e expulso da cidade.

No dia 11 de Outubro, o conde das Antas, vindo de Braga, assume o comando militar da revolta. Preside à Junta e tem José da Silva Passos como vice-presidente. Circulam manifestos afirmando que a Revolução do Minho, a revolução mais gloriosa da Nação Portuguesa, fora traída pela soberana.

O tom da discórdia começa a subir e surgem guerrilhas por todo lado. O governo e a banca juntos tentam armar gente, mas só conseguem 3 000 homens sob o comando nominal de D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gota.

A guerra parece já inevitável, dividindo mais uma vez o país entre os liberais e os miguelistas, embora ambas as facções o neguem. Agora são os cartistas e os setembristas (os patuleias) que se digladiam, mas as feridas mal curadas da anterior guerra civil rapidamente emergem. Numa estranha coligação, a esquerda liberal, representada pelos apoiantes da Revolução de Setembro, aparece agora aliada à extrema-direita miguelista.

A contenda ameaçava tomar tais proporções que D. Maria II, aconselhada pelo marechal Saldanha, logo a 16 de Outubro, pediu a intervenção da Espanha, da França e da Grã-Bretanha, ao abrigo da Quádrupla Aliança, para acabar com a revolução, alegando que era uma sublevação miguelista. Os espanhóis mandam de imediato forças para a fronteira, mas o governo britânico não aceita que haja uma revolta miguelista.

A adesão popular é enorme. Segundo Oliveira Martins, esta gente ... chamada à revolta sentia pulsar-lhe nas veias o antigo sangue de nómadas barbarescos, de bandidos históricos, serranos guerreiros: não os minhotos, mas os transmontanos, os beirões, os estremenhos, e toda a população transtagana. Por todo o país se canta:
Eia avante, portugueses! Eia avante, não temer! Pela santa liberdade, Pelejar até morrer!
As garantias constitucionais continuam a ser suspensas por decreto, durante 30 dias de cada vez. Serão promulgados novos decretos em 27 de Janeiro, 6 de Fevereiro, 6 de Março, 6 de Abril, 6 de Maio e 6 de Junho.
Pouco a pouco, surgem por todo o país juntas que se afirmam subordinadas da Junta Provisória do Supremo Governo do Reino, a do Porto, e todas se declaram em rebelião contra o governo de Lisboa. A agitação espalha-se por todo o império: a 25 de Outubro há um pronunciamento em Ponta Delgada, Açores, formando-se ali a Junta Governativa do Distrito de Ponta Delgada; a 29 de Abril de 1847 é a vez de se formar a Junta Governativa da Madeira; na Índia Portuguesa, instala-se uma Junta e fala-se em vender território aos britânicos. Mesmo depois da entrada em Portugal das forças da Quádrupla Aliança, os pronunciamentos continuaram: a 22 de Maio de 1847 é vez da ilha Terceira, nos Açores.
Entretanto, a 26 de Outubro, forças afectas à Junta do Porto dirigem-se para Santarém, ameaçando directamente a capital, o que leva a rainha, em 27 de Outubro, a assumir plenos poderes extraordinários, suspendendo-se a legalidade constitucional.
A 4 de Novembro, Santarém é ocupado pelas forças revoltosas. Sentindo-se ameaçado, o governo resolve apostar tudo, e a 6 de Novembro, Costa Cabral, no exílio em Espanha, é nomeado embaixador naquele país, ficando encarregado de pressionar o governo espanhol no sentido da entrada das suas forças em Portugal em socorro do governo de Lisboa.
A 7 de Novembro, o marechal Saldanha sai de Lisboa à frente das forças fiéis do exército, após rainha e o seu marido terem passado as tropas em revista. Iniciam-se as hostilidades.
Dadas as dificuldades financeiras, a 14 de Novembro, é promulgado um decreto que impõe o curso forçado permanente das notas do Banco de Lisboa, impondo pesadas punições a quem se tentar eximir. Este diploma é complementado, a 19 de Novembro, por um decreto que obriga à fusão do Banco de Lisboa com a Companhia Confiança, prevendo-se a criação de um Banco de Portugal, materializada no dia 26 de Dezembro imediato, instituição que ainda hoje perdura.
Felizmente para o governo, a Junta do Porto, apesar de dispor de importantes forças militares e de indesmentível apoio popular, por causa da imperícia dos seus generais não foi capaz de se impor pela força, saindo, logo nos meses iniciais da guerra, as suas forças derrotadas num conjunto importante de recontros.

No norte de Portugal, o general barão do Casal, comandante da divisão de Trás-os-Montes, optara por se manter fiel à rainha e marchou com a suas tropas sobre o Porto, esperando que ali rebentasse um contra-golpe cartista que lhe entregasse a cidade. Contudo, tal não aconteceu e, ao invés, Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, então visconde de Sá da Bandeira, que havia aderido à patuleia, sai-lhe ao encontro à frente de uma bem armada divisão, marchando pela Régua e Sabrosa até Chaves, onde as forças do barão do Casal se refugiam.
Ao mesmo tempo, forças guerrilheiras comandadas por Luís Malheiro Peixoto de Lemos e Vasconcelos, 1.º barão de Castro Daire, ocupam Murça, dando a impressão que os patuleias irão controlar o norte. Esta situação inverte-se rapidamente já que, a 15 de Novembro, o visconde de Sá da Bandeira decide retirar para Valpaços, aparentemente para aí atrair as forças do barão do Casal e dar batalha.
Efectivamente, a 16 de Novembro, as forças do barão do Casal marcham sobre Valpaços e dão batalha. No recontro, onde dois regimentos do Porto de bandearam, o visconde de Sá da Bandeira é batido e obrigado, no dia 20 de Novembro, a recolher precipitadamente ao Porto. No fim do recontro, todo o norte parecia ficar sob controlo das forças leais ao governo.
Por essa altura já o levantamento militar se espalhara pelo país. A sul do Tejo, o general José Lúcio Travassos Valdez, 1.º conde de Bonfim, o brigadeiro Francisco Pedro Celestino Soares, futuro visconde de Leceia, e Luís Francisco Estêvão Soares de Melo da Silva Breyner, 1.º conde de Melo, comandavam tropas patuleias. Em Coimbra, o marquês de Loulé também se rebelara e reconstituíra o Batalhão Académico.
Para piorar a situação, durante a retirada, o que restava das forças de Sá da Bandeira encontra na Régua um numeroso grupo guerrilheiro comandado pelo velho general realista MacDonnell, o qual tinham ali aclamado D. Miguel. É o miguelismo, que aproveitando a oportunidade criada pelos patuleias, ameaça ressurgir das cinzas das guerras liberais.


A PUBLICAÇÃO DESTE TEXTO CONTINUA NOS PRÓXIMOS DIAS


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