sexta-feira, 3 de agosto de 2012

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TAMBWE-A UNHA DO LEÃO

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Sinopse

De Lisboa a Luanda, seguindo por Paris e por bases aéreas bem guardadas na Rússia e na África do Sul, é uma longa viagem sacudida por geografias contrastantes e pelos solavancos da descolonização e do fim da Guerra Fria. Tambwe – A Unha do Leão faz-se disso e de muito mais. É também o percurso interior de Eugénio, à procura da sua infância e da sua razão de ser numa Angola atormentada pela guerra.

Com uma escrita torrencial e opulenta, o autor descola volta e meia da realidade palpável, circunscrita pelo tempo e pelo espaço, e parte para um universo onírico e simbólico, verdadeiro paraíso perdido, porventura para sempre.

Romance de vida e de morte, só uma partitura de Brahms parece restar como energia redentora quando, na noite tropical, se abrem as portas da prisão de Luanda.

(Pedro Vieira)
(EXCERTO DO ROMANCE TAMBWE-A UNHA DO LEÃO)

"Lá fora, o apito de um comboio, que passava rilhando o seu leito de ferro, juntou-se à tempestade inquieta. Todo o edifício estremeceu, deixando escapar dos seus subterrâneos os dramas de quem se alimenta de nadas, de quem não tem vida própria, as mágoas do lixo que o subsolo esconde e digere, qual combustível em ventre enorme. Naquele mesmo instante, em que Eugénio se debatia entre o tinir de um telefone e a lubricidade do amor, milhões de seres de vontade apodrecida rastejavam pelas sarjetas, pelas ruas imundas, pelos quartos infectos, pelos bares duvidosos, expondo misérias, chagas purulentas, hérnias monstruosas, submersos em álcool e cocaína, em negócios marginais, mergulhados num vórtice de que se sabiam incapazes de fugir. Esquecida a esperança, restava-lhes a violência, o fogo regenerador, o caos que tudo limpa, que tudo vinga, o terror que degola com a promessa de novo advir. Apenas o ódio os mantinha vivos, lúcidos por entre a ressaca.
Atendeu o telefone. Do outro lado, uma voz, num francês de estranho sotaque, fez-se anunciar.
- Ici, c`est Le Renard !
- Oui, monsieur Le Fox, je suis déjà à Paris !
- Tout va bien ?
- Tout va bien, merci!
- Alors, nous nous verrons demain, l`après-midi, à l`endroit que vous connaissez.
- Oui, à demain !
Sem outros rodeios, desta forma telegráfica, a conversa terminou e o telefone emudeceu cheio de subentendidos. Eugénio despiu-se, atirando para o chão as calças e a camisa amarrotadas. Olhou-se ao espelho, completamente nu, apalpou o corpo nodoso pelos ossos e músculos e sentiu um formigueiro percorrer-lhe a pele. Com a impaciência de um punhal abandonado, uma onda de calor afogueou-lhe o rosto, os braços, as coxas e o sexo. Admirou-se, só agora reparava que o púbis começara a tingir-se de longos pêlos brancos. Foi buscar o pijama puído que trouxera de casa e vestiu-o como se veste um hábito e um medo; suspeitava que um dia seria acordado por um tremor de terra e que, se estivesse nu, na pressa da fuga, não teria tempo de o vestir, expondo-se à insaciável e crítica memória feminina. Deitou-se.
A voz de monsieur Le Renard martelou-lhe o cérebro, “Alors, nous nous verrons demain, l`après-midi, à l`endroit que vous connaissez”. Tinha a absoluta certeza de que nada seria como dantes a partir de agora. A partir do momento em que se encontrasse com a velha Raposa enveredaria, definitivamente, por um caminho sem retorno. Restavam-lhe poucas horas para poder recuar, para desistir da imprevisível aventura, para regressar a Portugal. Não vira sequer o rosto do seu contacto, apenas lhe escutara a voz; desconhecia-o em absoluto. Seria novo, seria velho, loiro ou moreno, alto ou baixo? Se desistisse agora os esquemas de segurança não teriam sido postos em causa e por isso a sua vida não correria perigo. Mas não, Eugénio estava decidido! Não era um cobarde. Várias razões o tinham levado até ali. Razões confusas, mal definidas, mas razões. Razões egoístas, talvez, mas sobretudo uma enorme insatisfação, a procura de um sentido para a vida, de um gesto para a morte. A morte que temia e que por temer desejava.
Lentamente, à medida que o corpo entrava na lassidão do sono, massajado pelos dedos do conforto, o cérebro entrou em erupção, cruzando imagens a uma velocidade estonteante, esventrando recordações, recriando sensações, inventando e destruindo, até se lhe apoderar da carne. Exausto pela intempérie de emoções, adormeceu com a profundidade da morte; era noite cerrada, velha de horas novas. Paris sussurrava, envolta na humidade como num vestido que lhe escondesse a sordidez. Perseguido pela fábula maravilhosa, Eugénio reencontrou o sonho interrompido. Os mesmos olhos, o mesmo afago, o mesmo sorriso, o mesmo corpo insaciável.
Como uma noiva, a Noite deitou-se a seu lado. O corpo esbelto e misterioso vestia uma túnica cor de sangue, onde brilhavam milhões de estrelas; nos pés, umas sandálias simples realçavam-lhe a beleza do contorno nu. Ansioso, despiu-a, admirando-lhe o corpo magro, os seios pequenos como maçãs, que beijou um por um, mordiscando-lhe o bico escuro dos mamilos. Qual bambu agitado pelo vento, a fêmea estremeceu, gemendo de prazer, “não faças isso, estou aqui para que adormeças”. Palavras vãs que nenhum dos dois queria ver cumpridas. Queimavam, prestes a explodir. Incapazes de se suster, aproximaram os corpos nus e algo de irreal aconteceu. Misteriosa como um líquido agitado, a Noite fechou os olhos escuros, abandonou-se nos braços do amante, suave e espessa e pediu, “vem”. “Espera um pouco mais”, segredou-lhe Eugénio. Não tinha curvas voluptuosas, as ancas estreitas cabiam numa mão. Lentamente, muito lentamente, beliscou-lhe os seios, percorreu-lhe o ventre, e, numa carícia estudada, acariciou-lhe o púbis. “Oh, insuportável prazer, porque me fazes sofrer?”. O sexo palpitava, húmido, Eugénio ofereceu-lhe a mão e parecia um vulcão, beijou-o e sentiu-o a ferver, encostou-lhe o ouvido e escutou um miado. Beijaram-se numa promiscuidade de salivas e sonhos. Impossível voltar atrás. Sabendo que o dia se aproximava, amaram-se como se fosse a última vez, com a certeza da gravidade que prende, com a certeza de que o amor é a única verdade que resta aos que se julgam senhores da razão. Quando sossegaram do atropelo, uma estranha coluna de luz escapava-se do ventre de ambos e Eugénio enamorou-se como um místico.
Coisa estranha, coisa misteriosa, a Noite usava um colar de pérolas enrolado à cintura. O nacarado das contas contrastava com o tom trigueiro e aveludado da pele. Maravilhado, hipnotizado com a inusitada jóia, Eugénio retirou-a com cuidado. Estavam, agora, completamente nus. Olharam-se sem pressas e o quarto iluminou-se com o fulgor da paixão que ambos tinham aceso. Ambos sabiam já não existir como seres individuais; tinham-se fundido, a sombra e a luz, penetrado um no outro à procura do mistério bíblico da criação, do enigma do ser único a partir do qual tudo começara.
Um carro apitou na rua, insistentemente, acordando Eugénio. Olhou em volta, o quarto pareceu-lhe frio e vulgar, os lençóis cheiravam a lavado sem o mistério dos fluidos. Poisados na testeira da cama viu dois abutres gordos como ladrões; os seus bicos aduncos, persistentes e negros, arrancavam-lhe pedaços do cérebro, deixando-o sem vontade. Sentiu-se no fim dos tempos, rodeado por tempestades de ondas gigantescas, impotente perante o vento uivante carregado de mágoas de milhões de escravos. Como se fosse o último imperador romano ao ver o fim do Império, fugiu, traindo os súbditos, consciente de que nenhuma civilização é conquistada de fora sem que primeiro se tenha destruído por dentro. Teria ele destruído tudo? Seria um sinal, um aviso? Apesar de tudo, voltou a dormitar, cavalgando os poemas do apocalipse com a nitidez das sombras e o sentido plástico das gotas de lacre. Tossiu, com o rosto coberto por um fumo acre. Os dedos queimados, cobertos de massa avermelhada, faziam-no gemer de dor. Os abutres tinham desaparecido, apenas restavam frases dispersas sobre a cama; paciente, procurou dar-lhes sentido.
Correm bolas de fogo pelo céu
levantam-se
furiosas
lamas sulfurosas…

Em Paris, como em todas as grandes cidades, as manhãs começam cedo. Aliás, não começam porque os dias não se interrompem; há quem chegue cheio de esperança e quem parta derrotado, incapaz de distinguir as horas. Como os vulcões, as grandes cidades são subterrâneas, aparentemente sonolentas, escondendo no útero a semente de onde germina o caos. Em cada esquina, em cada cave húmida e bafienta, em cada lupanar, em cada quarto de hotelzinho comprometido, em cada desvão duvidoso, em cada sótão escondido, em cada latrina inundada de urina, em cada cozinha povoada por insectos, em cada escritório de advogado sem ética, em cada consultório de médico convertido às leis do mercado, em cada alcova de político trânsfuga, conspira-se subvertendo as leis do tempo. Em Paris, apenas o ténue jogo de sombras ajuda a criar a ilusão do dia e da noite, de um compasso na voragem. "

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